quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Irmandade da Adaga Negra Vol. 1 - 1 Capitulo

Irmandade da Adaga Negra


Volume I

AMANTE ESCURO

J. R. Ward

Revisado por Rosi D.

Resumo:

Nas ruas de Cadwell em Nova Iorque se mantêm uma sangrenta luta entre duas

turmas, duas raças: A Irmandade e seus caçadores e assassinos.

A Irmandade é composta por seis vampiros e guerreiros, que arriscam sua vida pelo

amparo e sobrevivência de sua raça, perseguida e dizimada; o que a colocou em uma perigosa

situação: a população de vampiros está diminuindo alarmantemente. Warth, Rhage, Zsadist,

Phury, Vishous e Tohrment se submeteram a duros treinamentos para poder lutar e proteger a

sua espécie. São vampiros, são guerreiros e cada um deles carrega uma maldição própria que

os mantém isolados, sós... Tão só um deles, Tohrment, tem companheira, o resto vive só, sem

nenhuma companhia; só têm à Irmandade que os une em sua luta pela sobrevivência de sua

raça contra os assassinos de seu povo. Os Irmãos, embora não de sangue, sim e vínculo, são

selecionados por suas habilidades, tanto físicas e mentais, como por suas habilidades

curadoras. Agressivos, auto-suficientes, não se relacionam com outros membros, a não ser

que precisem alimentar-se.

A sociedade de assassinos e caçadores de vampiros é composta de humanos que

venderam sua alma, o que os despoja de vínculos de idade e com o tempo sua pele, cabelo e

olhos empalidece visivelmente o que lhes outorga uns traços e aroma característicos da dita

sociedade. Rhage é o melhor guerreiro do grupo; além disso, é o mais atraente, mas tem um

lado escuro e violento. Zsadist foi torturado e escravizado; uma cicatriz lhe cruza o rosto, usa

o cabelo praticamente raspado e vários piercings em seu corpo, e o resto da Irmandade teme

que esteja próximo à perda de sua alma. Phury é seu gêmeo, usa uma prótese em uma perna,

cabelo multicolorido e, por decisão própria, se mantém celibatário. Vishous é o especialista

em tecnologia e usa cavanhaque, uma boina vermelha e uma luva que oculta sua mão

esquerda... e, por último, está Tohrment.

Warth é o rei dos vampiros; é o único de toda a irmandade que é um vampiro “puro”,

nascido de pai e mãe vampiros. É praticamente cego, o que o faz ocultar permanentemente

seus olhos com uns óculos escuros. Como todos, veste-se de couro e é imponente, enorme;

uma massa de músculos e tendões duramente treinados para a luta. É o líder da Irmandade e,

além disso, o rei dos vampiros.

Pouco antes de sua morte, Darius, o sétimo vampiro da Irmandade, pede a Warth que

cuide de sua filha Beth, meio humana, meio vampira que está a ponto de passar pela transição

e converter-se em vampira; mas é um processo perigoso que pode significar sua morte ou a

conversão, o que implica uma mudança de vida, estilo e raça: abandonar sua vida humana e

passar a viver entre as sombras da noite. Warth se nega, mas depois da morte de seu “irmão” e

amigo procura Beth para instruí-la e adverti-la...

Beth desconhece suas origens e procedência. Criou-se em orfanatos depois da morte

de sua mãe após lhe dar a luz; nunca conheceu seu pai. É na atualidade uma jornalista que

vive como uma mais entre a multidão de Caldwell, em Nova Iorque. Mas depois da erupção

de Warth em sua vida, esta sofre um salto de 180 graus. A entrada em uma vida na escuridão,

a conversão em vampira e... uma intensa e sensual relação com o líder da Irmandade, apesar

da inicial reticência por parte de ambos. Beth teme esse enorme desconhecido, Warth não

quer vínculos nem laços de nenhum tipo; tão só a ajudará a passar pela transição diz, pois seu

sangue é poderoso, antigo e o mais forte... Mas os planos são feitos para quebrar-se e o perigo

os une em uma ardente e sensual relação, que os vincula irremediavelmente.

Glossário de termos e nomes próprios

Doggen: Membro da classe servil no mundo dos vampiros. Os doggens mantêm as

antigas tradições de forma muito rigorosa e são muito conservadores em questões

relacionadas com o serviço prestado aos seus superiores. Suas vestimentas e comportamento

são muito formais. Podem sair durante o dia, mas envelhecem relativamente rápido. Sua

média de vida é de quinhentos anos aproximadamente.

As Escolhidas: Vampiresas destinadas a servir à Virgem Escriba. Consideram-se

membros da aristocracia, embora de uma maneira mais espiritual que temporal. Têm pouca,

ou nenhuma, relação com os machos, mas podem acasalar-se com guerreiros com objetivo de

reproduzir sua espécie, se assim o determinar a Virgem Escriba. Têm a capacidade de

predizer o futuro. No passado, eram utilizadas para satisfazer as necessidades de sangue de

membros solteiros da Irmandade, mas tal prática foi abandonada pelos irmãos.

Escravo de sangue: Vampiro fêmea ou macho que foi submetido para satisfazer as

necessidades de sangue de outros vampiros. A prática de manter escravos de sangue caiu, em

grande medida, em desuso, mas não é ilegal.

Hellren: Vampiro que escolhe a uma fêmea como companheira. Os machos podem ter

mais de uma fêmea como companheira.

Irmandade da Adaga Negra: Guerreiros vampiros treinados para proteger a sua

espécie contra a Sociedade Restritiva. Como conseqüência de uma seleção genética no

interior da raça, os membros da Irmandade possuem uma imensa força física e mental, assim

como uma enorme capacidade para curar-se de suas feridas com rapidez. A maioria não são

propriamente irmãos de sangue. Iniciam-se na Irmandade através da nominação de um de seus

membros. Agressivos, auto-suficientes e reservados por natureza, vivem separados dos

humanos e têm pouco contato com membros de outras classes, exceto quando precisam

alimentar-se. São objeto de lendas e muito respeitados dentro do mundo dos vampiros. Só se

pode acabar com eles se os ferirem gravemente com um disparo ou uma punhalada no

coração.

Leelan: Termo carinhoso, que se pode traduzir de maneira aproximada como “a que

mais quero”.

O Fade: Reino atemporal onde os mortos se reúnem com seus seres queridos durante

toda a eternidade.

O Omega: Malévola figura mística que pretende a extinção dos vampiros por causa de

um ressentimento que tem com a Virgem Escriba. Existe em um reino atemporal e possui

grandes poderes, embora não tenha capacidade de criação.

Período de Necessidade ou Período do Cio: Época fértil das vampiresas. Geralmente

dura dois dias e é acompanhado de intensos desejos sexuais. Apresenta-se aproximadamente

cinco anos depois da transição de uma fêmea; a partir daí, uma vez a cada década. Todos os

machos respondem de algum modo caso se encontrem perto de uma fêmea em período de

necessidade. Pode ser uma época perigosa, com conflitos e lutas entre machos, especialmente

se a fêmea não tiver companheiro.

Primeira Família ou Família Principal: O rei e a rainha dos vampiros, e os filhos

nascidos de sua união.

Princeps: Grau superior da aristocracia dos vampiros, só superado pelos membros da

Primeira Família ou a Escolhida da Virgem Escriba. O título é hereditário, não pode ser

outorgado.

Pyrocant: Refere-se a uma debilidade crítica em um indivíduo. Esta debilidade pode

ser interna, como um vício, ou externa, como um amante.

Restrictor: Membro da Sociedade Restritiva. Trata-se de humanos sem alma que

perseguem vampiros para exterminá-los. Permanecem eternamente jovens e só se pode matálos

lhes cravando uma adaga no peito. Não comem nem bebem e são impotentes. Com o

tempo, seu cabelo, sua pele e a íris de seus olhos perdem pigmentação, até converter-se em

seres loiros, pálidos e de olhos incolores, totalmente albinos. Cheiram a talco para bebês.

Depois de serem iniciados na Sociedade pelo Omega, conservam um frasco de cerâmica

dentro do qual foi colocado seu coração depois de ser extirpado.

Rythe: Forma ritual de salvar à honra. Oferece-o alguém que tenha ofendido a outro.

Se for aceito, o ofendido escolhe uma arma e ataca ao ofensor, que se apresenta ante ele

desprotegido.

Sellan: Vampiresa que se uniu a um macho tomando-o como companheiro. Em geral,

as fêmeas escolhem a um só companheiro devido à natureza fortemente territorial dos machos

acasalados.

Sociedade Restritiva: Ordem de assassinos convocados pelo Omega com o propósito

de erradicar a espécie dos vampiros.

Transição: Momento crítico na vida dos vampiros, quando ele ou ela se convertem em

adultos. A partir desse momento, devem beber o sangue do sexo oposto para sobreviver e não

podem suportar a luz solar. Geralmente, acontece aos vinte e cinco anos. Alguns vampiros

não sobrevivem a sua transição, sobretudo os machos. Antes da mudança, os vampiros são

fisicamente frágeis, sexualmente ignorantes e indiferentes, e incapazes de desmaterializar-se.

A Tumba: Cripta sagrada da Irmandade da Adaga Negra. Usada como sede

cerimoniosa e como armazém para os frascos dos restrictores. Entre as cerimônias ali

realizadas se encontram as iniciações, funerais e ações disciplinadoras contra os irmãos.

Ninguém pode ter acesso a ela, exceto os membros da Irmandade, a Virgem Escriba ou os

candidatos a uma iniciação.

Vampiro: Membro de uma espécie distinta do Homo sapiens. Os vampiros têm que

beber sangue do sexo oposto para sobreviver. O sangue humano os mantém vivos, mas sua

força não dura muito tempo. Depois de sua transição, que geralmente acontece aos vinte e

cinco anos, são incapazes de sair à luz do dia e devem alimentar-se obtendo o sangue

diretamente da veia regularmente. Os vampiros não podem os transformar os humanos com

uma dentada nem com uma transfusão sangüínea, embora, em alguns casos, sejam capazes de

procriar com a outra espécie. Podem desmaterializar-se à vontade, mas têm que procurar

tranqüilidade e concentração para consegui-lo e não podem levar consigo nada pesado. São

capazes de apagar as lembranças das pessoas, sempre que forem em curto prazo. Alguns

vampiros são capazes de ler a mente. Sua esperança de vida é superior a mil anos e, em alguns

casos, inclusive mais.

A Virgem Escriba: Força mística, conselheira do rei, guardiã dos arquivos

vampirescos e encarregada de outorgar privilégios. Existe em um reino intemporal e possui

grandes poderes. Capaz de um único ato de criação, que empregou para dar existência aos

vampiros.

Capítulo 1

Darius olhou a seu redor no clube, e se deu conta, pela primeira vez, da multidão de

pessoas semi-desnudas que se contorciam na pista de baile. Aquela noite, Screamer's estava a

transbordar, repleto de mulheres vestidas de couro e homens com aspecto de terem cometido

vários crimes violentos.

Darius e seu acompanhante encaixavam à perfeição. Com a condição de que eles eram

assassinos de verdade.

— Realmente pensa fazer isso? — perguntou-lhe Tohrment.

Darius dirigiu seu olhar para ele. Os olhos do outro vampiro se encontraram com os

seus.

— Sim. Assim é.

Tohrment bebeu um gole de seu uísque escocês. Um sorriso lúgubre apareceu em seu

rosto, deixando entrever, fugazmente, as pontas de suas presas.

— Está louco, Darius!

— Você deveria compreendê-lo.

Tohrment inclinou seu copo com elegância.

— Mas está indo muito longe. Quer arrastar contigo uma garota inocente, que não tem

nem idéia do que está acontecendo, para submetê-la a sua transição em mãos de alguém como

Wrath. É uma loucura.

— Ele não é mau..., apesar das aparências. — Darius terminou sua cerveja — E

deveria lhe mostrar um pouco de respeito.

— Respeito-o profundamente, mas não me parece boa idéia.

— Necessito-o.

— Está seguro disso?

Uma mulher com uma minissaia diminuta, botas até as coxas e um corpete

confeccionado com correntes passou junto à sua mesa. Sob as pestanas carregadas de rímel,

seus olhos brilharam com um incitante brilho, enquanto rebolava como se seus quadris

tivessem uma dupla articulação.

Darius não prestou atenção. Não era sexo o que tinha em mente essa noite.

— É minha filha, Tohr.

— É uma mestiça, Darius. Já sabe o que ele pensa dos humanos. — Tohrment moveu

a cabeça — Meu tataravô o era e você não me vê precisamente alardeando disso diante dele.

Darius levantou a mão para chamar à garçonete e assinalou sua garrafa vazia e o copo

do Tohrment.

— Não deixarei que morra outro de meus filhos, E menos ainda se houver uma

possibilidade de salvá-la. De qualquer modo, nem sequer estamos seguros de que vá trocar.

Poderia acabar vivendo uma vida feliz, sem inteirar-se jamais de minha condição. Não seria a

primeira vez que acontece.

Tinha a esperança de que sua filha se livrasse daquela experiência. Porque, se passasse

pela transição e sobrevivesse convertida em vampiresa, a perseguiriam para caçá-la, como a

todos eles.

— Darius, se ele se comprometer a fazê-lo, será porque está em dívida contigo. Não

porque o deseje.

— Convencê-lo-ei.

— E como pensa enfocar o problema? Podes te aproximar numa boa da sua filha e lhe

dizer: “Ouça, vai sei que nunca me viu, mas sou seu pai. Ah, e sabe algo mais? Ganhaste o

prêmio gordo na loteria da evolução: é uma vampiresa. Vamos a Disneylândia!”

— Neste momento te odeio.

Tohrment se inclinou para diante; seus grossos ombros se moveram sob a jaqueta de

couro negro.

— Sabe que te apóio, mas penso que deveria reconsiderá-lo. — Houve uma incômoda

pausa. — Talvez eu possa me encarregar disso.

Darius lhe lançou um frio olhar.

— E acredita que poderá retornar tranqüilamente à sua casa depois? Wellsie te

cravaria uma estaca no coração e te deixaria secar ao sol, meu amigo.

Tohrment fez uma careta de desagrado.

— Bom argumento.

— E logo viria a mim. — Ambos os machos estremeceram. — Além isso... — Darius

se virou para trás quando a garçonete lhes serviu as bebidas. Esperou a que partisse, embora o

rap soasse estrondosamente ao seu redor, amortecendo qualquer conversação. — Além disso,

são tempos difíceis. Se algo me acontecesse...

— Eu cuidarei dela.

Darius deu uma palmada no ombro a seu amigo.

— Sei que o fará...

— Mas Wrath é melhor.

Não havia nem um pingo de ciúmes em seu comentário. Simplesmente, era verdade.

— Não há outro como ele.

— Obrigado a Deus — disse Tohrment, esboçando um meio sorriso.

Os membros de sua Irmandade, um fechado círculo de guerreiros fortemente unidos

que intercambiavam informação e lutavam juntos, eram da mesma opinião. Wrath era uma

corrente de fúria em assuntos de vingança e caçava a seus inimigos com uma obsessão que

raiava na demência. Era o último de sua estirpe, o único vampiro de sangue puro que havia

sobre o planeta e, embora sua raça o venerasse como a um rei, ele desprezava sua condição.

Era quase trágico que ele fosse a melhor opção de sobrevivência que tinha a filha

mestiça do Darius. O sangue do Wrath, tão forte, tão puro, aumentaria suas probabilidades de

superar a transição se esta lhe causasse algum mal. Mas Tohrment não se equivocava. Era

como entregar uma virgem a uma besta.

De repente, a multidão se deslocou, se amontoando uns contra outros, deixando passar

alguém. Ou algo.

— Maldição! Aí vem ele. — balbuciou Tohrment. Agarrou seu copo e bebeu de um

gole até a última gota de seu escocês — Não te ofenda, mas vou. Não quero participar desta

conversação.

Darius observou como aquela maré humana se dividia para se separar do caminho de

uma imponente sombra escura que sobressaía por cima de todos eles. O instinto de fugir era

um bom reflexo de sobrevivência.

Wrath media um metro noventa e cinco de puro terror vestido de couro. Seu cabelo,

longo e negro, caía diretamente de uma mecha em forma de M sobre a frente. Uns grandes

óculos de sol ocultavam seus olhos, que ninguém tinha visto jamais. Seus ombros tinham o

dobro do tamanho que os da maioria dos machos. Com um rosto tão aristocrático como brutal,

parecia o rei que em realidade era por direito próprio e o guerreiro em que o destino o tinha

convertido.

E a onda de perigo que o precedia era sua melhor carta de apresentação.

Quando o gélido ódio chegou até Darius, este agarrou sua cerveja e bebeu um longo

gole.

Realmente esperava estar fazendo o correto.

Beth Randall olhou para cima quando seu editor apoiou o quadril sobre o escritório.

Seus olhos estavam cravados no decote do Beth.

— Trabalhando até tarde outra vez? — murmurou.

— Olá, Dick. — “Não deveria estar já em casa com sua mulher e seus dois filhos?”

adicionou mentalmente.

— O que está fazendo?

— Redigindo um artigo para o Tom

—Sabe? Há outras formas de me impressionar.

“Sim, já imaginava”

— Tem lido meu e-mail, Dick? Fui à delegacia de polícia esta tarde e falei com o José

e Ricky. Asseguraram-me que um traficante de armas mudou para esta cidade. Encontraram

duas Magnuns manipuladas em mãos de uns traficantes de drogas.

Dick estirou o braço para lhe dar um tapinha no ombro, acariciando-o antes de retirar a

mão.

— Você continue trabalhando nas coisas pequenas. Deixa que os meninos grandes se

preocupem dos crimes violentos. Não queremos que aconteça algo a essa face tão bonita.

Sorriu, entrecerrando os olhos enquanto seu olhar se detinha nos lábios da garota.

“Essa rotina de olhá-la fixamente durava já três anos”, pensou ela, “desde que tinha

começado a trabalhar para ele.”

Uma bolsa de papel. O que precisava era uma bolsa de papel para enfiar sobre a

cabeça cada vez que falava com ele. Talvez com a fotografia da senhora Dick presa a ela. —

— Quer que te leve a sua casa? — perguntou ele.

“Só se caísse uma chuva de agulhas e pregos, pedaço de símio.”

— Não, obrigado.

Beth girou para a tela de seu computador com a esperança de que ele entendesse a

indireta.

Ao fim, afastou-se, provavelmente em direção ao bar do outro lado da rua, aonde se

reuniam a maioria dos repórteres antes de ir-se para casa. Caldwell, Nova Iorque, não era

precisamente um foco de oportunidades para um jornalista, mas os “meninos grandes” do

Dick gostavam de aparentar que levavam uma vida social muito agitada. Desfrutavam

reunindo-se no bar do Charlie a sonhar com os dias em que trabalhassem em jornais maiores e

importantes. A maior parte deles eram como Dick: homens de média idade, competentes, mas

o que faziam estava longe de ser extraordinário. Caldwell era o suficientemente grande e

estava muito próxima à cidade de Nova Iorque para contar com suficientes crimes violentos,

jogadas a rede por drogas e prostituição que os mantiveram ocupados. Mas o Caldwell

Courier Journal não era o Time e nenhum deles ganharia jamais um Pulitzer. Era algo

deprimente.

“Sim, bom, te olhe ao espelho”, pensou Beth.

Ela era só uma repórter de base. Nem sequer tinha trabalhado nunca em um jornal de

tiragem nacional. Assim, quando tivesse cinqüenta e tantos, ou as coisas trocavam muito ou

teria que trabalhar para um jornal independente redigindo anúncios por palavras e

vangloriando-se de seus dias no Caldwell Courier Journal.

Estirou a mão para alcançar o saco de M&M que tinha estado guardando. Aquele

maldito estava vazio! De novo.

Talvez devesse ir para casa e comprar algo de comida chinesa para levar.

Enquanto se dirigia à saída da redação, que era um espaço aberto dividido em

cubículos por débeis tabiques cinzas, encontrou-se com o contrabando de barras de chocolate

de seu amigo Tony. Tony comia todo o tempo. Para ele não existia café da manhã, comida e

jantar. Consumir era uma proposição binária. Se estava acordado, tinha que levar algo à boca

e, para manter-se aprovisionado, sua mesa era um cofre do tesouro de perversões com alto

conteúdo em calorias.

Tirou o papel e saboreou com prazer a barra de chocolate enquanto apagava as luzes e

descia a escada que conduzia à rua Trade. No exterior, o calor de julho parecia comportar-se

como uma barreira física entre ela e seu apartamento. Doze quarteirões inteiros de calor e

umidade. Por sorte, o restaurante chinês estava a meio caminho de sua casa e contava com um

excelente ar condicionado. Com alguma sorte estariam muito ocupados essa noite e ela teria

oportunidade de esperar um momento naquele ambiente fresco.

Quando terminou o chocolate, abriu a tampa de seu telefone, pulsou a marcação rápida

e fez um pedido de carne com brócolis.

À medida que avançava, os lúgubres e conhecidos lugares foram aparecendo diante

dela. Ao longo desse lance da rua Trade, só havia bares, clubes de strip-tease e negócios de

tatuagens. Os dois únicos restaurantes eram o chinês e um mexicano. O resto dos edifícios,

que tinham sido utilizados como escritórios nos anos vinte quando o centro da cidade era uma

zona próspera, estavam vazios. Conhecia cada fenda da calçada; sabia de cor a duração dos

semáforos. E os sons misturados que se ouviam através das portas e janelas abertas tampouco

eram surpreendentes.

No bar do McGrider soava música de blues; da porta de vidro do Zero Sum saíam

gemidos de teto; e as máquinas de karaokê estavam a todo volume no Ruben's. A maioria

eram lugares dignos de confiança, mas havia um par deles dos quais preferia manter-se

afastada, sobretudo Screamer's, que tinha uma clientela verdadeiramente tenebrosa. Aquela

era uma porta que nunca cruzaria, a menos que tivesse uma escolta policial.

Enquanto calculava a distância até o restaurante chinês, sentiu uma onda de

esgotamento. Deus, que umidade! O ar estava tão denso que lhe deu a impressão de que

estava respirando através de água.

Teve a sensação de que aquele cansaço não era devido unicamente ao tempo. Durante

as últimas semanas não tinha dormido muito bem e suspeitava que se achava à beira de uma

depressão. Seu emprego não a levava a nenhuma parte, vivia em um lugar que lhe importava

um nada, tinha poucos amigos, não tinha amante e nenhuma perspectiva romântica.

Se pensava em seu futuro, se imaginava dez anos mais tarde empacada no Caldwell

com o Dick e os “meninos grandes”, sempre imersa na mesma rotina: levantar-se, ir ao

trabalho, tentar fazer algo novo, fracassar e retornar a casa só.

Talvez necessitasse uma mudança. Ir-se de Caldwell e do Caldwell Courier Journal.

Afastar-se daquela espécie de família eletrônica formada por seu despertador, o telefone de

seu escritório e o televisor que mantinha seus sonhos afastados enquanto dormia.

Não havia nada que a retivesse na cidade, salvo o hábito. Não tinha falado com

nenhum de seus pais adotivos durante vários anos, assim não sentiriam falta dela. E os novos

amigos que tinha estavam ocupados com suas próprias famílias.

Ao escutar um assobio lascivo detrás dela, entreabriu os olhos. Esse era o problema de

trabalhar perto de uma zona como aquela. Às vezes, encontrava-se com algum ou outro

perseguidor.

Logo chegaram as cantadas e a seguir, como era de esperar, dois sujeitos cruzaram a

rua para colocar-se detrás dela. Olhou a seu redor.

Estava afastando-se dos bares em direção ao longo lance de edifícios vazios que havia

antes dos restaurantes. A noite era nublada e escura, mas pelo menos havia luzes e, de vez em

quando, passava algum carro.

— Eu gosto de seu cabelo negro — disse o maior, enquanto adaptava seu passo ao

dela. — Importa-te se o toco?

Beth sabia que não podia deter-se. Pareciam meninos de alguma fraternidade

universitária em férias do verão, mas não queria correr nenhum risco. Além disso, o

restaurante chinês estava só a cinco quarteirões.

De todo modo, procurou em sua bolsa seu spray de pimenta.

— Quer que te leve a alguma parte? — perguntou de novo o mesmo moço. — Meu

carro não está longe. Sério, por que não vem conosco? Podemos ir todos.

Sorriu abertamente e deu uma piscada a seu amigo, como se com aquele bate-papo

meloso fosse levá-la para a cama instantaneamente. O cupincha riu e a rodeou, seu longo

cabelo loiro saltando a cada passo que dava.

— Sim, vamos! — disse o loiro.

“Maldição, onde estava o spray?”

O grande estendeu a mão, lhe tocando o cabelo, e ela o olhou atentamente. Com seu

pólo e suas calças curtas de cor cáqui, era realmente de aparência agradável. Um verdadeiro

produto americano. Quando lhe sorriu, ela acelerou o passo, concentrando-se no tênue brilho

de néon do outdoor do restaurante chinês. Rezou para que passasse algum transeunte, mas o

calor havia afugentado os pedestres para os locais com ar condicionado. Não havia ninguém

ao redor.

— Quer me dizer seu nome? — perguntou o produto americano.

Seu coração começou a bater com torça. Tinha esquecido o spray na outra bolsa.

— Vou escolher um nome para você. Me deixe pensar... O que te parece “gatinha”?

O loiro soltou uma risada.

Ela tragou saliva e tirou seu celular, se por acaso precisasse chamar o 911.

“Conserva a calma. Mantenha o controle.”

Imaginou o bem que sentiria quando entrasse no restaurante chinês e se visse rodeada

pela rajada de ar condicionado. Possivelmente devia esperar e chamar um táxi, só para estar

segura de chegar a casa sem que a incomodassem.

— Vamos, gatinha — sussurrou o produto americano. — Sei que vai gostar.

“Só três quarteirões mais...”

No instante em que baixou o meio-fio da calçada para cruzar a rua Dez, o homem a

sujeitou pela cintura. Seus pés ficaram pendurados no ar e, enquanto a arrastava para trás,

cobriu-lhe a boca com a palma da mão.

Beth lutou como uma possessa, chutando e lançando murros, e quando acertou a darlhe

um bom golpe em um olho, conseguiu escapar. Tentou afastá-lo o mais rapidamente

possível, sapateando com força sobre o pavimento, enquanto o fôlego se amontoava em sua

garganta. Um carro passou pela rua Dez e ela gritou assim que viu o brilho dos faróis.

Mas então o homem a sujeitou de novo.

— Vais rogar-me, cadela — disse a seu ouvido, lhe tampando a boca com uma mão.

Sacudiu-lhe o pescoço de um lado a outro e a arrastou para uma zona mais escura.

Podia cheirar seu suor e a colônia de universitário que usava, à medida que escutava as

estridentes gargalhadas de seu amigo.

“Um beco. Estavam-na levando a um beco.”

Sentiu náuseas; a bílis lhe fazia cócegas na garganta. Sacudiu o corpo furiosamente,

tratando de liberar-se. O pânico lhe dava forças, mas ele era mais forte.

Empurrou-a detrás de um contêiner de lixo e pressionou seu corpo contra o dela. Ela

lhe atirou outras quantas cotoveladas e chutes.

— Maldita seja, prende os braços dela!

Conseguiu dar ao loiro uma boa patada no queixo antes que ele lhe agarrasse os

punhos e as levantasse por cima de sua cabeça.

— Vamos, cadela, você vai gostar — grunhiu o produto americano, tratando de

introduzir um joelho entre as pernas da garota.

Colocou-lhe as costas contra a parede de tijolo do edifício, mantendo-a imóvel pela

garganta. Teve que usar a outra mão para lhe rasgar a blusa e tão logo lhe deixou a boca livre,

ela começou a gritar.

Esbofeteou-a com força, lhe cortando o lábio. Sentiu o sabor do sangue na língua e

uma dor pungente.

— Se fizer isso de novo, cortar-te-ei a língua. — Os olhos do homem ferviam de ódio

e luxúria enquanto levantava a renda branca do sutiã para deixar expostos seus seios. —

Diabos, acredito que o farei de todo o modo!

— Ouça, são de verdade? — perguntou o loiro, como se ela fosse lhe responder.

Seu companheiro lhe agarrou um dos mamilos e deu um puxão. Beth fez uma careta

de dor, as lágrimas nublaram seus olhos. Ou talvez estivesse perdendo a visão porque estava a

ponto de desmaiar.

O produto americano riu.

— Acredito que são naturais. Mas poderá averiguá-lo você mesmo quando eu

terminar.

Ao escutar o loiro rir bobamente, algo no interior de seu cérebro entrou em ação e se

negou a deixar que aquilo acontecesse. Obrigou a si mesma a deixar de lutar e recorrer a seu

treinamento de defesa pessoal. Exceto pela agitada respiração, seu corpo ficou imóvel, e o

produto americano demorou um minuto em notá-lo.

— Quer aceitar numa boa? — disse, olhando-a com suspeita. — Ela assentiu

lentamente. — Bem. — inclinou-se, aproximando o nariz do seu. Beth lutou para não se

separar, enojada pelo fétido aroma de cigarro rançoso e cerveja. — Mas se gritas outra vez,

vou te dar muitas facadas. Entende? — Ela assentiu de novo. — Solta-a.

O loiro lhe soltou os punhos e riu, movendo-se ao redor de ambos como se procurasse

o melhor ângulo para observar. Seu companheiro lhe acariciou asperamente a pele e ela teve

que fazer um enorme esforço para conservar a barra de chocolate do Tony no estômago

quando sentiu a náusea subindo por sua garganta. Embora lhe repugnasse aquelas mãos

oprimindo seus seios, esticou a mão procurando sua braguilha. Ele ainda a segurava pelo

pescoço e ela tinha problemas para respirar, mas no momento em que tocou seus genitais, ele

gemeu, afrouxando a presa.

Com um enérgico apertão, Beth lhe agarrou os testículos, retorcendo-os tão forte como

pôde, e deu-lhe uma joelhada no nariz enquanto ele caía. Uma corrente de adrenalina

atravessou seu corpo, e durante um décimo de segundo desejou que o amigo a atacasse em

lugar de ficar olhando-a estupidamente.

— Bastardos! — gritou-lhes.

Beth saiu correndo do beco, arrumando a blusa, sem deter-se até chegar à porta de seu

edifício de apartamentos. Suas mãos tremiam com tanta força que lhe custou trabalho

introduzir a chave na fechadura. E só quando se encontrou em frente ao espelho do banheiro

notou que rolavam lágrimas por suas bochechas.

Butch Ou'Neal levantou a vista quando soou a rádio sob o painel de comandos de seu

carro patrulha sem distintivos. Em um beco não longe dali, um homem se encontrava atirado

no chão, mas vivo.

Butch olhou seu relógio. Eram pouco mais das dez, o que significava que a diversão

acabava de começar. Era uma sexta-feira de noite de começo de julho e os universitários

acabavam de começar suas férias e estavam ansiosos por competir nas Olimpíadas da

Estupidez. Imaginou que o sujeito tinha sido assaltado ou que lhe tinham dado uma lição.

Esperava que fosse o segundo.

Butch tomou o auricular e disse ao operador que iria atender à chamada, embora fosse

detetive de homicídios, não patrulheiro. Estava trabalhando em dois casos nesse momento,

um afogado no Rio Hudson e uma pessoa enrolada por um condutor que fugiu, mas sempre

havia lugar para alguma coisa mais. Quanto mais tempo passasse fora de sua casa, melhor.

Os pratos sujos na pia e os lençóis enrugados sobre a cama não eram bons de olhar.

Acendeu a sirene e pisou no acelerador enquanto pensava: “Vejamos o que se passou

com os meninos do verão.”

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